Notícias ambientais

O alcance, os limites e os (supostos) vieses dos estudos de viabilidade e das licenças ambientais y4a2b

Uma amostra dos mais de 55 tipos de peixes no Rio da Prata, no lado brasileiro. Crédito: Rhett Butler. 3m6n6x

  • Nos últimos 20 anos, a EIA tornou-se parte integrante do planejamento estratégico dos países, onde as possíveis compensações decorrentes dos impactos ambientais e sociais são de grande importância.

  • Foi assim que surgiram as consultas públicas, permitindo que a sociedade civil tivesse voz ativa no surgimento de investimentos privados ou públicos. Em todos os sistemas da Pan-Amazônia, o princípio é o mesmo: a possibilidade de cancelar um projeto se seus impactos negativos forem inaceitáveis.

  • Para Killeen, um dos conflitos de interesse mais óbvios ocorre quando o contrato de construção atribui à própria empresa de mineração a responsabilidade de conduzir tanto o estudo de viabilidade quanto a avaliação ambiental.

  • Da mesma forma, as instituições financeiras multilaterais exigem estudos ambientais de alta qualidade, mas seus avaliadores de crédito são avaliados pelo número de projetos gerenciados, não por sua capacidade de rejeitar projetos de alto risco.

O EIA é um componente integral (de alto perfil) do processo regulatório que evoluiu nas últimas décadas para incluir as fases iniciais de um processo de planejamento como também as fases finais do procedimento de licenciamento, de modo que o Estado (e a sociedade civil) possa intervir, tanto para modificar a proposta original como para corrigir deficiências que se manifestam quando a instalação ou o bem está em desenvolvimento.

Os estudos de factibilidade que enfocam a possibilidade técnica e financeira de investimentos de capital intensivo sempre precederam a maioria dos projetos, mas agora essas avaliações são realizadas no contexto das possíveis compensações causadas pelos impactos ambientais e sociais. No Brasil, os estudos de factibilidade incluem uma consulta pública que permite que a sociedade civil questione a necessidade do investimento e proponha abordagens alternativas para resolver essa aparente necessidade do investimento proposto, como testemunhado pelo recente debate sobre a exploração de petróleo na costa do Amapá. Na Colômbia, as normas exigem um estudo formal (Diagnóstico Ambiental de Alternativas) que avalie alternativas específicas.

Se o projeto for aprovado nessa etapa, e após a conclusão do EIA, os proponentes do projeto devem solicitar uma licença ambiental. A maioria dos países adotou um processo, que no Brasil é chamado de Licenciamento Ambiental Trifásico, que estratifica o processo de licenciamento em estágios com pontos de referência claramente definidos (Tabela 7.4; Figura 7.2).  Para projetos menos complexos (B/EIA ou C/EIA), os órgãos reguladores podem comprimir o procedimento de licenciamento em uma única etapa (Licenciamento Ambiental Simplificado), que exige um relatório ambiental simplificado que identifique os possíveis impactos e proponha medidas de mitigação adequadas, ou selecionar uma opção intermediária (Licenciamento Ambiental Simultâneo), com as duas licenças a serem emitidas ao mesmo tempo.

A ponte que foi construída pelos menonitas no rio Tucabaca. Essa obra não tem aprovação ou licença ambiental. Foto: Movimiento en Defensa del Valle Tucabaca.

Os procedimentos na região variam, mas todos os sistemas compartilham um atributo comum: o poder de encerrar um projeto com um nível inaceitável de impactos negativos. A rejeição de um pedido de licença ambiental não é incomum, mas essas rejeições raramente são permanentes.  Na Amazônia peruana, entre 1995 e 2023, foi realizado um total de 603 EIAs; todos, com exceção de seis, acabaram sendo aprovados, embora 115 tenham sido suficientemente deficientes ao ponto que tiveram que apresentar modificações formais. Entre os seis projetos rejeitados, estavam a usina hidrelétrica de Mazán, perto de Iquitos, a polêmica linha de transmissão elétrica entre Moyobamba e Iquitos, duas usinas hidrelétricas perto de Machu Picchu e a extensão de um gasoduto de gás natural em território indígena perto de Camisea.

Hidrelétricas: EIAs na mira do público 5u5k6r

Várias usinas hidrelétricas de grande importância foram construídas na Amazônia brasileira (Figura 7.3). Três foram aprovadas com uma lista de condições descritas no EIA: Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Um projeto, São Luis do Tapajós, foi encerrado porque o EIA destacou seu prejudicial impacto em uma comunidade indígena, o que o tornou constitucionalmente ilegal.
Imagem 2 EIA de São Luiz do Tapajós.

O projeto de Belo Monte no Rio Xingu foi o mais polêmico e ou por um processo de avaliação que se estendeu por quarenta anos. A oposição ao projeto fez com que ele fosse redimensionado, ando de múltiplas represas e reservatórios para uma configuração peculiar em uma única localização. O projeto proposto pretendia manter a conectividade do leito natural do rio, enquanto desviava a maior parte do fluxo de água por meio de uma usina paralela.

As corredeiras em São Luiz do Tapajós (flechas) foram propostas como local para uma barragem e um complexo de energia essenciais para converter o Rio Tapajós em uma hidrovia industrial. O desenvolvimento foi interrompido quando o projeto teve a licença ambiental (Licença Prévia) negada porque teria impactado negativamente uma comunidade Munduruku, localizada a cerca de 20 quilômetros rio acima. Teoricamente, a construção poderia prosseguir se os proponentes da barragem obtivessem o “consentimento livre, prévio e informado” (FPIC) da comunidade Sawré Muybu, que receberia o impacto do reservatório daquela que seria a terceira maior usina hidrelétrica do Brasil. Crédito: © 2024 Planet Labs Inc.

A qualidade do EIA e do processo de licenciamento foi questionada repetidamente, e o Ministério Público Federal (MPF) entrou com 22 liminares questionando a validade do projeto, a qualidade dos EIAs e o cumprimento das medidas de mitigação obrigatórias. No entanto, o apoio dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff garantiu que o órgão ambiental (IBAMA) aprovasse as licenças de construção e operação e, por fim, o Supremo Tribunal Federal rejeitou as tentativas legais de interromper o projeto.

Atualmente, a instalação é vista como um fracasso técnico e financeiro, pois os fluxos de água não são suficientes para operá-la em sua capacidade total, enquanto a redução da água em Volta Grande devastou as populações de peixes tanto acima quanto abaixo da barragem.

O processo de licenciamento para as duas instalações no Rio Madeira foi consideravelmente menos conflitivo, em parte porque foram concebidos como projetos a fio d’água desde o início, com represamentos reduzidos ao mínimo. Talvez tenha sido ainda mais importante o fato de que o trecho do rio afetado pelos represamentos de água de Santo Antônio e Jirau foi ocupado por comunidades tradicionais descendentes de seringueiros, e não por aldeias indígenas que gozam de proteção especial de acordo com a Constituição de 1988.

As previsões de ictiólogos de que as barragens impediriam a migração de espécies comercialmente importantes, especialmente o bagre-gigante, foram validadas em 2019, após sua conclusão, quando estudos mostraram que as espécies não usaram o sistema para transposição de peixes, também conhecido como escada de peixes, construído como medida de mitigação.

A usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós é um dos poucos exemplos de uma barragem que teve cancelado seu processo de licenciamento devido às informações contidas em seu EIA.

As corredeiras de São Luiz do Tapajós são uma obstrução natural ao transporte fluvial e um local ideal para a coleta de peixes, o que motivou a colonização indígena ao longo de suas margens por milênios. A oposição indígena a uma megabarragem foi demostrada durante a fase de consulta pública da revisão ambiental, o que levou o IBAMA a rejeitar o pedido de licença ambiental. Crédito: Aimberesena via Wikimedia (CC BY-SA 4.0)

Essa instalação a fio d’água teria inundado cerca de sete por cento de um Território Indígena Sawré Muybu proposto e obrigado a realocação de uma aldeia habitada pelo grupo étnico Munduruku. O órgão federal que istra os assuntos indígenas (FUNAI) se opôs à construção da barragem, o que levou o IBAMA a declarar o projeto “constitucionalmente inviável” devido ao seu impacto em uma comunidade indígena.

Os três projetos aprovados precederam o projeto rejeitado em aproximadamente cinco anos, período durante o qual o cenário político foi abalado pelo escândalo de corrupção da Lava Jato e pelo impeachment da Presidente Dilma. O ambiente político conturbado presumivelmente tornou mais difícil para os operadores políticos e lobistas derrubarem as recomendações da equipe técnica e jurídica do IBAMA e da FUNAI. Não é de surpreender que o governo de Jair Bolsonaro tenha tentado reviver o projeto, mas não teve sucesso, em parte porque a decisão do IBAMA de rejeitar o EIA foi confirmada por um tribunal federal.

Minas industriais: Conflito com as comunidades 3c711a

A Vale SA, maior empresa de mineração do Brasil, opera dez minas industriais na província de Carajás e deve abrir uma nova em breve.

O IBAMA supervisionou a revisão ambiental de sete dessas minas, por estarem localizadas dentro de florestas nacionais (FLONA Carajás e FLONA Tapirapé-Aquiri), enquanto o órgão estadual (SEMA) supervisionou o desenvolvimento dos outros três locais de mineração, localizados nas chamadas paisagens consolidadas que foram colonizadas e desmatadas entre 1970 e 2010.

As minas supervisionadas pelo IBAMA e localizadas dentro de uma FLONA evitaram, em grande parte, interações com proprietários de terras e comunidades, com exceção dos pequenos proprietários que ocuparam terras públicas no boom migratório da década de 1970. A Vale precisou realocar essas comunidades para desenvolver o complexo de minério de ferro S11D, mas a empresa encontrou resistência quando a maioria dos moradores rejeitou suas ofertas por considerá-las insuficientes.

A empresa supostamente recorreu a uma série de técnicas coercitivas com o apoio das autoridades locais e de integrantes do IBAMA, enquanto os camponeses contaram com o apoio jurídico da Comissão Pastoral da Terra, pertencente à Igreja Católica. Finalmente, a empresa conseguiu prevalecer nos tribunais porque, de acordo com a legislação brasileira, as concessões de minerais no subsolo suplantam os direitos de propriedade na superfície. No entanto, os procedimentos judiciais foram complicados devido à estratégia da Vale de comprar terras com títulos de propriedade não certificados, o que os oponentes da mina caracterizam como aquisição ilegal de terras públicas.

O distrito mineral de Carajás abriga mais de uma dúzia de minas industriais, em operação e planejadas, que exploram minério de ferro, manganês, cobre, níquel e ouro. A grande ilha de floresta é formada por um complexo de áreas protegidas e territórios indígenas. A mineração é permitida nas reservas florestais (FLONA Carajás, FLONA Tapirapé-Aquiri, FLONA Itacaiúnas), mas não no parque nacional (PARNA dos Campos Ferruginosos) e na reserva biológica (REBIO Tapirapé), nem na Terra Indígena Xikrin do Cateté. Fonte dos dados: RAISG.

Os conflitos de posse de terra são ainda mais graves nas paisagens onde a empresa está desenvolvendo uma mina de cobre (Cristalino) que será regulamentada pela autoridade estadual (SEMAS). A autoridade estadual é geralmente considerada receptiva às empresas de mineração, mas a SEMAS já fechou minas quando confrontada com violações ambientais óbvias. A mina de níquel Onça Puma, da Vale, por exemplo, que começou a operar em 2011, foi processada por comunidades indígenas que buscavam reparação pela poluição da água.

A SEMAS instruiu a empresa a interromper as operações depois que um tribunal ordenou que a empresa pagasse à tribo Xikrin do Cateté, da nação Kayapó, uma indenização de US$ 26,8 milhões. No entanto, a empresa optou por recorrer da sentença, argumentando que a poluição foi causada por garimpeiros que exploraram depósitos de ouro antes do desenvolvimento da mina industrial. A disputa levou a medidas e contramedidas cautelares, fazendo com que a mina interrompesse intermitentemente as operações desde 2017; em abril de 2024, o litígio continuava em andamento.

Talvez o EIA mais conflitivo relacionado à mineração no Pará seja o do projeto da mina de ouro Belo Sun, localizada na margem oposta à usina hidrelétrica de Belo Monte. Os oponentes afirmam que a mineração poderia poluir o Rio Xingu, um curso d’água vital e essencial para a subsistência dos indígenas. Além disso, a mina proposta impactaria o PA Ressaca, cujas fronteiras foram recentemente modificadas para facilitar a aquisição de terras pela empresa.

A Belo Sun, que é uma empresa canadense, afirma estar comprometida com a “mineração responsável”, e um EIA para a mina foi aprovado pela SEMAS em 2017, quando emitiu uma Licença Prévia. No entanto, a licença foi suspensa em 2018, quando um tribunal federal considerou que o processo de consulta não estava em conformidade com a legislação brasileira, porque o projeto impactaria um território indígena totalmente legalizado (TI Arara da Volta Grande do Xingu). O juiz instruiu à empresa a reapresentar seu EIA ao IBAMA.

A empresa recorreu dessa sentença e entrou com uma queixa-crime contra ativistas contrários à mina, que haviam ocupado propriedades de terra adquiridas pela empresa ao órgão responsável pela certificação de terras (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA). As expectativas sobre a mina foram comprometidas em 2022, quando os gerentes do complexo hidrelétrico de Belo Monte declararam publicamente que os riscos combinados dos dois projetos mereciam a intervenção do IBAMA. Em 2023, um tribunal de apelação manteve a decisão de encaminhar o pedido de licença ao IBAMA.

Parcialidade e Supervisão 502g3h

O conflito em torno de todos esses projetos destaca as limitações do processo de EIA para julgar complexos e conflituosos projetos de desenvolvimento, especialmente quando os interesses adquiridos permeiam o sistema.

O conflito de interesses mais óbvio ocorre quando o contrato de construção confere à empresa a responsabilidade de conduzir tanto o estudo de viabilidade quanto a avaliação ambiental. Na América Latina, o uso de subsidiárias internas é proibido, mas os responsáveis de projetos recorrem a um número muito limitado de empresas especializadas na preparação de EIAs. Não é de surpreender que todas elas comercializem seus serviços citando sua capacidade de conduzir o processo de EIA a uma conclusão bem-sucedida, com a obtenção da licença ambiental.

As multinacionais ocidentais podem se mostrar mais abertas ao valor de um EIA objetivo do que uma empresa nacional ou chinesa. Muitas são empresas de capital aberto, cujos executivos são sensíveis à má fama ligada à negligência ambiental; no entanto, eles são obrigados a maximizar os lucros e a recompensar os subordinados que terminam dentro do prazo e do orçamento. De modo unânime, as agências financeiras multilaterais insistem na preparação de um EIA de alta qualidade, mas seus oficiais de empréstimo são avaliados com base no número de projetos que eles movem através do pipeline de projetos, não em sua capacidade de rejeitar projetos arriscados.

Os EIAs mais objetivos são provavelmente aqueles que envolvem ONGs e acadêmicos como subcontratados ou consultores, mas essas instituições também podem estar sujeitas à parcialidade, especialmente se estiverem sofrendo de estresse financeiro ou sob pressão política para aprovar o projeto.

O processo de EIA foi projetado para superar esse viés sistêmico através do procedimento de consulta pública, ou separando a preparação do EIA do processo de aprovação. No entanto, as autoridades ambientais geralmente ficam do lado dos interesses adquiridos e das partes interessadas poderosas, por motivos políticos ou por causa de uma orientação filosófica reforçada por trajetórias educacionais e profissionais semelhantes. Os economistas chamam isso de “captura regulatória” e ocorre quando um órgão ou um processo promove os interesses das partes afetadas pelas regulamentações, em vez de promover os interesses do público em geral, para os quais as regulamentações foram criadas.

Na Amazônia, onde uma proporção significativa dos residentes é de origem indígena, o impacto potencial sobre os locais de patrimônio cultural, práticas tradicionais e valores culturais das comunidades locais é considerável. O EIA deve explorar o potencial de conflitos sociais que podem surgir em decorrência do projeto. A chave para o componente social é a necessidade de um processo de consulta pública amplo e eficaz, que deve começar logo no início e continuar durante todo o processo de EIA. Isso envolve informar as comunidades sobre o projeto, realizar consultas e incorporar suas preocupações à avaliação.

A chave para uma supervisão eficaz é fornecer à sociedade civil o a todos os documentos de EIA; isso permite que seus analistas revisem os dados e a lógica por trás de suas decisões, um requisito que foi amplamente aprimorado pela revolução informática em curso, que continua a transformar a sociedade amazônica

Imagem do banner: Uma amostra dos mais de 55 tipos de peixes no Rio da Prata, no lado brasileiro. Crédito: Rhett Butler.

“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0). 

Exit mobile version