Enquanto o REDD, mecanismo de redução de emissões, enfrenta críticas ao redor do mundo, projetos de restauração na Amazônia ganham força como forma de resgatar a confiança do mercado em créditos de carbono florestais.
No Brasil, considerado a “galinha dos ovos de ouro” da restauração, o modelo já atraiu mineradoras, frigoríficos, bancos, startups e gigantes da tecnologia.
Governos estaduais e federal estão concedendo terras públicas para empresas de restauração recuperarem áreas degradadas.
Os projetos exigem altos investimentos e compromisso de longo prazo, enfrentam desafios como temporadas de incêndios cada vez mais severas e lidam com a incerteza sobre o futuro do mercado de carbono.
Em 2024, uma operação policial contra o maior produtor de créditos de carbono do Brasil marcou o ponto mais baixo da já longa crise de reputação dos projetos REDD. Grandes empresas que compraram créditos desses projetos de conservação florestal se viram de repente associadas a uma organização criminosa.
REDD, sigla para “redução de emissões por desmatamento e degradação florestal”, é uma metodologia baseada em um conceito simples: proteger áreas estratégicas de floresta ajuda a evitar emissões de gases de efeito estufa. Quem protege estas áreas pode vender créditos equivalentes às emissões evitadas para empresas que querem compensar sua pegada de carbono.
No entanto, a organização alvo das autoridades brasileiras, liderada por Ricardo Stoppe, também lucrava com extração ilegal de madeira e grilagem no sul do Amazonas. O escândalo foi revelado primeiro pela Mongabay. E não era um caso isolado: segundo um estudo publicado pelo jornal britânico The Guardian, 90% dos créditos florestais certificados pela principal certificadora global, a Verra, não tinham valor.
Outras investigações feitas por jornalistas e ONGs brasileiras revelaram empresas ocupando ilegalmente terras públicas ou lucrando com territórios de comunidades tradicionais sem seu consentimento. Em uma reportagem de dezembro de 2024, a Mongabay mostrou que parcerias entre desenvolvedores de projetos REDD e madeireiras com histórico de crimes ambientais são comuns na Amazônia.
“Temos visto uma série de ivos, seja pela qualidade dos projetos, baixa integridade, falhas de diligência ou problemas metodológicos”, disse Gustavo Pinheiro, do Grupo Trie, ao Mongabay. “É uma longa lista de ivos que levou a essa perda de confiança [no REDD]”.

Com a queda livre nos preços dos créditos de carbono, outro tipo de operação vem ganhando terreno como solução financeira para conservação: restaurar grandes áreas da Amazônia e vender os créditos de carbono que as árvores recém-plantadas am a absorver. E o Brasil, com 109 milhões de hectares de pastagens degradadas, surge como a galinha dos ovos de ouro da restauração.
Diferente do REDD, onde os créditos vêm do desmatamento que não aconteceu, esses projetos consistem em restaurar a floresta em áreas degradadas. À medida que crescem, as plantas absorvem carbono, e os créditos são calculados com base nessa absorção.
“Você tem uma área de pasto, começa a plantar floresta e ela vai crescendo”, explicou Beto Mesquita, engenheiro florestal e diretor da BVRio, uma ONG que atua com soluções de mercado para problemas socioambientais. “É muito fácil mostrar o quanto essa floresta cresceu em cinco, dez anos. É muito mais claro [que o REDD]”.
A possibilidade de unir grandes lucros a uma agenda positiva atraiu diversos interessados. A Biomas, por exemplo, é uma das principais empresas de restauração no Brasil, fundada por Itaú, Santander, Rabobank, a mineradora Vale, a fabricante de papel e celulose Suzano e a gigante da carne Marfrig. A empresa re.green tem o apoio de grandes investidores brasileiros, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e a família Moreira Salles, dona do Itaú.
Outra líder de mercado é a Mombak, criada em 2021 por dois jovens empreendedores vindos do banco digital Nubank e do app de transporte 99. Com quatro áreas em diferentes estágios de restauração no Pará, totalizando 20 mil hectares, a empresa afirma ser a maior iniciativa de restauração do mundo.
Com uma estratégia de marketing agressiva e presença forte na mídia nacional e internacional, a startup já captou R$ 1,25 bilhão de investidores como P (Canadá), Bain Capital, Fundação Rockefeller, Banco Mundial e BNDES. Em abril, a empresa recebeu R$ 100 milhões do BNDES, sendo a primeira beneficiada Novo Fundo Clima para restauração de áreas degradadas na Amazônia.

Apesar de ainda não ter emitido um único crédito, a Mombak já firmou contratos com Google e Microsoft. “Recursos financeiros existem e estão crescendo, mas para o tamanho do mercado, será preciso muito mais”, disse o diretor científico da empresa, Renato Crouzeilles.
Como o mercado regulado brasileiro de créditos de carbono ainda não está em funcionamento, os créditos de restauração são vendidos no chamado mercado voluntário. Neste caso, as empresas não compram créditos por serem obrigadas por lei, e sim para convencerem investidores e clientes de sua responsabilidade ambiental. Sem uma regulamentação, as regras são definidas por certificadoras privadas, como a Verra.
Os projetos da Mombak estão sendo analisados pela Verra sob uma metodologia desenvolvida especificamente para os chamados projetos de Florestamento, Reflorestamento e Revegetação (ARR). No entanto, a empresa afirma que ainda há pouca informação sobre como quantificar a absorção de carbono nestas áreas.
“O mercado é totalmente incipiente e novo. Estamos criando algo do zero”, disse Crouzeilles. “Tenho que dizer quanto carbono minha fazenda vai sequestrar nos próximos 50 anos. Essa informação não existe na literatura. A gente faz as melhores modelagens para ter estimativas, mas meu projeto teria muito menos risco se essa informação existisse”.
Mesquita, da BVRio, questiona a sustentabilidade financeira dos projetos baseados exclusivamente em créditos de carbono. O mercado regulado do Brasil foi aprovado em dezembro de 2024, mas só deve funcionar plenamente em 2030. Na COP29, no Azerbaijão, houve avanço nas negociações para um mercado centralizado de carbono, mas não foi possível chegar a um acordo final. “Acho que é uma boa aposta, mas é uma aposta”, disse. “Ninguém sabe qual será a demanda por créditos de carbono daqui a 10 anos, nem quanto o mercado estará pagando por isso”.
Apesar da incerteza, o setor público brasileiro também mergulhou no mercado de restauração. O governo federal se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares até 2030, uma área quase do tamanho tamanho da Coreia do Norte. O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) inclui concessões de terras públicas, como unidades de conservação, para empresas privadas que se comprometam a restaurar a vegetação nativa. Em troca, elas poderão vender os créditos de carbono gerados na área.

O primeiro projeto será na Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, com 14 mil hectares desmatados. Até 2026, o governo Lula planeja conceder 350 mil hectares de florestas públicas para empresas privadas, segundo a Folha de S.Paulo. Em março, o governo abriu um edital para selecionar projetos de restauração em assentamentos de reforma agrária. Pouco depois, o BNDES anunciou parceria com a Petrobras para apoiar projetos de restauração na Amazônia.
O Pará, estado mais desmatado da Amazônia e sede da COP30, também entrou no jogo. O governo estadual abriu edital para restaurar 10 mil hectares dentro da Área de Proteção Ambiental do Xingu, em Altamira. A empresa Systemica, parcialmente controlada pelo banco BTG Pactual, venceu. “A Unidade de Recuperação do Triunfo do Xingu é um projeto-piloto”, disse o governador Helder Barbalho no lançamento do edital, prometendo replicar o modelo em todo o estado.
Restauração na prática
Cientistas já comprovaram a notável capacidade das florestas tropicais de começar a se regenerar assim que os humanos se afastam com seu gado e suas motosserras. Mas a tarefa nem sempre é tão simples, especialmente quando se trata de ecossistemas complexos, com um equilíbrio delicado entre milhares de animais, insetos, plantas e microrganismos. “Não há nada de simples na restauração florestal”, disse Mesquita.
Um projeto de restauração bem-sucedido significa que a vegetação não apenas volte a se parecer com uma floresta tropical, mas também forneça todos os seus serviços ecológicos, como o armazenamento de carbono, a proteção dos recursos hídricos e os corredores de biodiversidade. Para que isso aconteça, não basta apenas se retirar da área. “A restauração florestal sem precisar plantar uma muda ou uma semente é possível, desejável e necessária. Mas exige um mínimo de monitoramento”, disse Mesquita.
É preciso garantir que a área não seja invadida pelo fogo ou pelo gado, e que não haja espécies dominantes impedindo o crescimento das plantas nativas. “Pode parecer que a vegetação se recuperou, mas se você não tiver um processo mínimo de monitoramento, não pode dizer que a área está sendo restaurada”, acrescentou o engenheiro florestal.
Mais intervenção é necessária dependendo das condições do terreno e da paisagem do entorno. Solos erodidos e compactados ao longo de anos pelo gado e plantações, por exemplo, dificilmente vão se recuperar sozinhos. O mesmo acontece se não houver uma floresta saudável nas proximidades para fornecer sementes que sejam trazidas pelo vento.
Diante disso, organizações que atuam na Amazônia brasileira utilizam diferentes estratégias. Uma delas é a muvuca, uma técnica desenvolvida por povos indígenas e pesquisadores na Bacia do Rio Xingu, no estado do Mato Grosso, e hoje replicada em outras partes do país. Em vez de cultivar mudas para depois plantá-las, sementes de diferentes espécies nativas são misturadas e plantadas diretamente no solo. Por trás desse aparente descuido, há uma escolha cuidadosa de espécies para que certas plantas cresçam primeiro, preparando o solo e oferecendo proteção para as que virão depois.

Além de ser mais barata, a técnica gera renda para comunidades tradicionais que coletam sementes de plantas nativas, como os membros da Rede de Sementes do Xingu, apoiada pelo Instituto Socioambiental (ISA), uma organização sem fins lucrativos que trabalha na defesa dos direitos das comunidades tradicionais. “É um modelo que está começando a decolar no Brasil, com resultados absurdamente positivos”, disse Pinheiro, do Grupo Trie.
Outra opção é a nucleação, onde pequenos grupos de espécies são plantados em diferentes núcleos que depois acabam se conectando. Por fim, há o chamado plantio total, onde muitas mudas são cultivadas na mesma área. Essa é a principal técnica da Mombak, que planta 1.700 mudas por hectare. “É uma atividade muito mais cara, com muito mais demanda de mão-de-obra e de insumos como calcário e mudas”, disse Crouzeilles, da Mombak, sem detalhar os custos. “Mas eu sequestro carbono mais rápido porque sei quais espécies estou plantando”.
A Rioterra, uma ONG com 16 anos de experiência na restauração de pequenas propriedades em Rondônia, utiliza uma combinação desses métodos em seus projetos. No entanto, a primeira parte do trabalho é ajudar o solo a se recuperar. “Normalmente restauramos áreas de braquiária [um tipo de capim usado para gado], que é muito agressiva. Infelizmente, a única coisa que acaba com a braquiária é o herbicida”, disse Alexis Bastos, gerente de projetos da Rioterra. “E depois do plantio, é preciso evitar a competição entre o capim, que cresce muito mais rápido, e as plantas nativas. Se houver capim demais, ele cobre as plantas e impede que façam fotossíntese”.

Mesmo quando as plantas nativas criam raízes e começam a crescer, o trabalho está longe de acabar. Por muitos anos, será necessário continuar combatendo o pasto e as espécies invasoras, controlar formigas, manter cercas para impedir a entrada de gado, construir aceiros contra incêndios e, eventualmente, replantar algumas espécies que morreram. Segundo Bastos, a Rioterra gasta de US$ 5.000 a US$ 8.000 por hectare ao longo das décadas para manter essas áreas seguras.
“Muitos financiadores querem cortar custos e dizem que estão plantando florestas, mas na verdade estão apenas plantando mudas”, disse ele. “Mas como é que eu vou cuidar dessa muda por 30 anos se você me paga uma mixaria? Se quiser plantar uma floresta, tem que estar ciente dos custos de manutenção envolvidos”.
Em tempos de mudança climática, os riscos são ainda maiores. Em 2024, por exemplo, a Amazônia registrou uma seca severa e sua pior temporada de incêndios em 14 anos, e as projeções para 2025 não são animadoras. Diante de tanta incerteza, é difícil garantir a permanência dos projetos de restauração pelos próximos 100 anos, como previsto nos contratos da Mombak, por exemplo.
“Os riscos à permanência são exacerbados pela crise climática, o processo de savanização da Amazônia, a mudança no ciclo hidrológico e o aumento dos incêndios”, disse Pinheiro. “Assim como uma floresta conservada pode pegar fogo, uma floresta restaurada também pode pegar fogo, e aí não há como garantir a permanência daquela biomassa armazenada nas árvores, que literalmente vai virar fumaça”.
Novo modelo, velhos problemas
O principal projeto da Mombak é o Turmalina, uma antiga fazenda de gado localizada no município de Mãe do Rio, no Pará, onde 2.300 hectares estão sendo reflorestados com espécies nativas. Além de adquirir propriedades rurais, a Mombak também faz parcerias com produtores interessados em diversificar sua renda. De qualquer forma, a empresa está sujeita aos mesmos riscos de outros projetos REDD no que diz respeito à posse da terra na Amazônia.
“Comprar terra ou fazer parceria com um proprietário rural na Amazônia é como procurar uma agulha no palheiro porque a insegurança jurídica e fundiária é enorme”, disse Mesquita, da BVRio.
“Essa é uma das maiores dificuldades do nosso projeto porque a titulação de terras na Amazônia é extremamente problemática”, disse Crouzeilles, acrescentando que a Mombak realiza uma diligência rigorosa para garantir que a terra tenha documentação adequada.
Empresas como a Mombak atuam em grandes áreas utilizando alta tecnologia e máquinas caras para reduzir a necessidade de pessoal. O objetivo é melhorar a eficiência e acelerar tanto a restauração quanto a geração de créditos de carbono. “Hoje, nossa fonte exclusiva de renda são os créditos de carbono”, disse Crouzeilles.

A Mombak afirma empregar cerca de 80 pessoas em seus quatro projetos e que tenta se engajar com as comunidades do entorno, permitindo que entrem nas propriedades para coletar frutos como o açaí. Mesmo assim, esse modelo atrai críticas de outros grupos que atuam na Amazônia brasileira, que argumentam que a restauração deve ser feita em parceria com os povos locais. Ao mesmo tempo, esses críticos dizem que a aquisição de grandes áreas intensifica a especulação fundiária.
“Quando essas empresas começam a comprar muita terra, esse espaço será usado para um fim que não é necessariamente de uso coletivo”, disse Bastos, da Rioterra. “Isso gera uma pressão futura sobre essas áreas, o que pode ser perigoso porque vão virar zonas de conflito”.
A Rioterra começou a trabalhar com restauração em Rondônia em 2009, recuperando apenas 30 hectares em uma área de preservação permanente. “E foi difícil conseguir gente para restaurar esses 30 hectares. Ninguém se interessava por isso naquela época”, disse Bastos. Desde então, a organização já restaurou 7.000 hectares, distribuídos em centenas de pequenas propriedades rurais, além de projetos em territórios indígenas e unidades de conservação em parceria com órgãos públicos.
Bastos afirmou que as próprias comunidades plantam as mudas, e os créditos de carbono são utilizados em casos específicos como renda extra. “Trabalhamos com restauração para gerar renda e emprego, produzir alimentos e incluir socialmente mulheres e jovens”, disse ele. “Hoje, muitas empresas trabalham com restauração porque querem créditos de carbono, e a restauração virou um fim em si mesmo. A gente não faz isso”.

A Belterra, empresa focada em projetos agroflorestais e produção de alimentos, segue uma abordagem semelhante. “O carbono não sustenta nosso modelo, ele pode ajudar a destravá-lo. O que sustenta economicamente o modelo são os produtos da agrofloresta”, disse Valmir Ortega, fundador da Belterra, à Mongabay. Em 2023, a gigante da tecnologia Amazon investiu 90 milhões de reais (US$ 15,7 milhões) na Belterra, em um projeto que envolveu cultivos de cacau e créditos de carbono.
A empresa desenvolve iniciativas em cinco estados brasileiros em parceria com mais de 370 produtores rurais. Ela gerencia todas as etapas do negócio, desde o cultivo até a comercialização de produtos florestais, principalmente cacau e açaí, mas também mandioca e banana, que têm ciclos de colheita mais curtos. “Essa é a beleza do sistema agroflorestal”, disse Ortega. “Você tem uma sucessão de produtos ao longo dos anos que o produtor pode manejar e escolher”.
Segundo a empresa, seus sistemas agroflorestais geram ganhos por hectare 10 vezes maiores que o cultivo de soja e até 40 vezes maiores que a pecuária, além do impacto ambiental positivo. “E isso traz algo que a restauração ecológica não traz, que é um impacto social muito significativo em termos de geração de renda, empregos e alimentos”, afirmou Ortega.
Imagem do banner: Projetos de restauração têm sido desenvolvidos em grandes propriedades na Amazônia com altos investimentos e uso intensivo de máquinas. Foto: Mombak/Raimundo Paccó